terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Antropofagismo Gaúcho

Trabalho Acadêmico de Metodologia Científica
Curso Superior de Tecnologia em Dança
Universidade Luterana do Brasil


Orientação
Prof. Cosme Luiz Chinazzo


Dedicatória

Para profunda reflexão dedico este trabalho ao povo da dança cênica rio-grandense.

Agradecimentos

À professora Ângela Garcia pela criação em 2003 do Curso Superior de Tecnologia em Dança, minhas homenagens e reconhecimento. Aos sete artistas participantes desta pesquisa, ícones brasileiros, meus sinceros e respeitosos agradecimentos.


INTRODUÇÃO

A pesquisa denomina-se “Antropofagismo Gaúcho”, e seu foco surge da inquietude em desvendar as razões que levam os gaúchos a manifestarem comportamento nefando contra os próprios gaúchos, que se destacam profissionalmente entre os seus.

O primeiro uso do termo “antropofagismo” ou “antropofagia” foi com os índios Tupinambá, segundo estudos antropológicos de Fernandes apud Peirano, (1982). Os Tupinambá foram os primeiros habitantes do Brasil e eram antropófagos. O antropofagismo era ritualístico, somente os chefes inimigos derrotados eram comidos e, era a vingança que alimentava a disputa e o próprio ritual.

Já na perspectiva do “Manifesto Antropológico” de Oswald de Andrade, da semana de vinte e dois, o foco da antropologia era se apropriar dos elementos culturais brasileiros, buscando identidade nacional, ou seja, o Manifesto surgiu como reação ao domínio simbólico externo. Encerra-se este parágrafo citando um item do “Manifesto Antropológico”: “... só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”.
O foco da apropriação do termo “antropofagismo” nesta pesquisa, está relacionado com “comer” num sentido de destruir, anular, não legitimar o destaque de alguém da mesma área.

Assim sendo, antropofagismo e antropofagia1 são termos usados metaforicamente para significar a postura nefanda dos gaúchos contra os próprios gaúchos que se destacam profissionalmente entre os seus.

Essa manifestação negativa contra os próprios irmãos além de gerar ressentimentos, atravanca o progresso e a projeção do estado do Rio Grande do Sul como um todo.

Na dança, na música, no teatro, no mundo científico e acadêmico ou na política, são alguns segmentos da sociedade que a “antropofagia” se manifesta e acontece. Através de vivências observadas, leituras, entrevistas, programas de televisão, depoimentos, constata-se e comprova-se a amplitude desse comportamento nefando que vive e impera no extremo sul do Brasil.

Partindo do motivo de ordem pessoal amplia-se para o geral, pois, suas conseqüências negativas alteram modificando todo um desenvolvimento, projeção e progresso de nossa sociedade, de nosso estado. Portanto, o projeto justifica-se por constituir-se de extrema relevância social, que através dessa pesquisa científica, ultrapassará o conhecimento do senso comum e poderá ser aplicada para transformar nossa realidade comportamental, conseqüentemente nossa realidade social.

Como ilustração desse comportamento, dessa atitude, conta-se agora a história ou piada de conhecimento bem difundido entre os gaúchos, que foi encontrada na Internet denominada “Balaio dos Caranguejos”: um vendedor de crustáceos tinha dois balaios com os ditos cujos à beira de uma estrada. Um potencial cliente pára e pergunta qual a diferença entre os caranguejos de um e de outro balaio, um deitado e outro de pé. E o vendedor explica: “o balaio de pé é de caranguejos não-gaúchos, e precisa ficar de pé senão um sai e puxa os outros para fora. E o deitado é de caranguejos gaúchos, se um tentar sair os outros o puxam de volta, e por isso não precisa ficar em pé”.

Piada velha ou história não importa, o que vale é o seu significado. Quando um gaúcho consegue algum destaque por sua competência o outro que pertence à mesma área não o apóia, pelo contrário, tenta abafa-lo puxando-o novamente para dentro do “balaio”, para que perca a notoriedade alcançada. Enquanto que os outros caranguejos não-gaúchos, quando um deles consegue destacar-se, com apenas a cabeça para fora do “balaio” os demais que dentro ainda estão como anônimos na sociedade, os ajudam apoiando-os a saírem e, esse vitorioso ao conseguir o “sucesso”, traz consigo todos os demais que o apoiaram. E todos acabam sendo beneficiados. Dentro dos exemplos que podemos citar estão Elis Regina e os cantores/compositores baianos.
Pelo senso comum, sabe-se que esse comportamento negativo dos gaúchos abrange as mais diversas áreas da sociedade e, como se deve limitar a pesquisa, optou-se em dirigi-la à classe artística porque é nela que a pesquisadora insere-se.

O trabalho tem como objetivo geral confirmar a existência, buscando as causas desse comportamento nefando. Também pretende: sugerir um campo de reflexão sobre as práticas sociais que estão implicadas nessa atitude; colaborar com sua visibilidade e conscientização; identificar nos depoimentos dos artistas convidados a colaborar com a pesquisa, as diferentes formas desse comportamento, manifestar-se e, por fim, analisar o significado mais profundo do “por que” isso acontece, através do contato direto com artistas e pensadores gaúchos de reconhecido valor, em suas áreas de atuação.

O desenvolvimento desse trabalho dividiu-se em cinco capítulos:

1Cultura e Personalidade. Trata de conceituações sobre cultura, partindo de Marconi e Presotto, (2001).

2 O Rio Grande e o Brasil. Fala da posição geográfica do Rio Grande do Sul em relação aos outros estados brasileiros. Seu isolamento e sua posição estratégica de fronteira, depreendendo-se um clima de adversidades que têm de ser constantemente enfrentadas: garantir fronteiras, dominar a natureza, rebelar-se contra os desmandos do governo central, além de conflitos internos do próprio estado.
3 Tradicionalismo Gaúcho e Imigrantes. A representação da figura do gaúcho com suas expressões campeiras, envolvendo o cavalo, o chimarrão e a construção de um tipo social livre e bravo. Serviu também de modelo para outros grupos étnicos diferentes, o que estaria a indicar que essa representação une os habitantes do estado em contraposição ao país.

4 Identidade Gaúcha. O modelo que é construído quando se fala nas coisas gaúchas está baseado num passado que teria existido na região pastoril da campanha no sudoeste do Rio Grande do Sul e na figura real ou idealizada do gaúcho.

5 Depoimentos Personalidades Gaúchas. Relata depoimentos de sete pessoas legítimas, reconhecidas em sua área, com mais de vinte anos de atuação, na dança, na música, no teatro, nas artes plásticas, no canto lírico e na literatura.

Como o objeto de pesquisa não possui referencial teórico específico, buscou-se nos conceitos iniciais da antropologia, seu ponto de partida.

Hoebel e Frost apud Marconi e Presotto, (2001) definem antropologia como “a ciência da humanidade e da cultura”. Como tal é uma ciência superior social e comportamental, e mais, na sua relação com as artes e no empenho do antropológico de sentir e comunicar o modo de viver total de povos específicos, é também uma disciplina humanística.

O conceito, definição de Antropologia evoluiu de 1975 a 1981, e, através de seu estudo é que se iniciou a pesquisa bibliográfica, porque ela visa ao conhecimento completo do homem: dessa forma uma conceituação mais a define como a ciência que estuda o homem, suas produções e seu comportamento. Ela está interessada no homem como um todo, o ser biológico e o ser cultural. Assim ela preocupa-se em investigar, estudar e revelar os fatos da natureza e da cultura.

Segundo Marconi e Presotto, (2001): a antropologia tenta compreender a existência humana em todos os seus aspectos, no espaço e no tempo, partindo do princípio da estrutura biopsíquica, buscando também a compreensão das manifestações culturais, do comportamento e da vida social.

De acordo com Beals e Hoijer apud Marconi e Presotto, (2001) sobre antropologia, “... seus problemas se centram, por um lado, no homem como membro do reino animal, e por outro, no comportamento do homem como membro de uma sociedade”.

Então, como objeto da antropologia engloba as formas físicas primitivas e atuais do homem, e suas manifestações culturais, e, interessa-se pelos grupos simples e também pelo conhecimento de todas as sociedades humanas, extintas ou vivas em todo planeta.
Assim conheceu-se mais sobre a conceituação atual da Antropologia, ela está diretamente vinculada ao objeto de estudo em questão, que se pensa, através do conhecimento do senso comum² e, após estudos preliminares ser uma manifestação comportamental ou de conduta de uma sociedade peculiar, em um tempo, com suas influências genéticas, históricas, geográficas e sua endoculturação, ou seja, o processo de “aprendizagem e educação em uma cultura desde a infância” é chamado endoculturação tanto por Feliz Keesing quanto por Hoebel e Frost apud Presotto e Marconi, (2001).

Herskovits, (1963): emprega o temo endoculturação para conceituar a mesma coisa, significando, além disso, o processo que estrutura o condicionamento da conduta, dando estabilidade à cultura.

Cada indivíduo adquire as crenças, o comportamento, os modos de vida da sociedade a que pertence. Ninguém aprende, todavia, toda a cultura, mas está condicionado a certos aspectos particulares da transmissão de seu grupo.

Para construir-se um olhar sobre a pesquisa em questão, “antropofagismo gaúcho”, por ser uma manifestação sócio (cultural) pensa-se que Hoebel e Frost, Beals e Hoijer, Marconi e Presotto não se opõem, se complementam e enriquecem sobre maneira a conceituação de Antropologia, ciência que dá suporte científico a esse objeto de pesquisa.

O método aplicado é a pesquisa qualitativa na área das Ciências Sociais, com ênfase na pesquisa histórica, pois “na história estão os fundamentos para compreensão das estruturas sociais”, segundo Festinger, (1974).

“A pesquisa qualitativa é a escolhida porque se preocupa, com nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ele trabalha com universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atividades”, segundo Coccaro, (2005).

As técnicas de pesquisa utilizadas neste projeto são entrevistas semi-estruturadas, também denominadas não diretivas, observação participante, que significa estar atento a todas manifestações sensoriais do entrevistado e, análise comparativa entre os depoimentos identificando os pontos de convergência e de divergência.

O universo de pesquisa é composto de sete (07) personalidades gaúchas, pessoas legítimas, reconhecidas na sua área de atuação, com projeção fora do estado e fora do Brasil, possuidores de no mínimo vinte anos de experiência, residentes em Porto Alegre, excepcionalmente o diretor Antonio Carlos Cardoso, que vive em Salvador, Bahia.

São elas:
Na música, o compositor e pianista: GERALDO FLACH;
Na dança cênica, a diretora e coreógrafa da Cia Terpsí Teatro de Dança: CARLOTA ALBUQUERQUE;
Nas artes plásticas, o desenhista e professor aposentado do departamento de Artes da UFRGS: CARLOS PASQUETTI;
No teatro, a atriz, diretora e fundadora do TEPA: DANIELA CARMONA;
Na literatura, o escritor e professor doutor/adjunto da UFRGS: LUIZ AUGUSTO FISCHER;
No canto lírico, o barítono e professor doutor em Biologia da UFRGS: JOSÉ CLÁUDIO MOREIRA; e,
Na dança cênica o fundador e diretor do Balé do Teatro Castro Alves: ANTONIO CARLOS CARDOSO.

1 CULTURA E PERSONALIDADES

Partindo de Marconi e Presotto, (2001): podemos dizer que as sociedades são formadas de seres humanos que adotam uma forma de viver normativa, isto é, tornam-se portadores de culturas, em geral, adaptadas à ambiência local.

Atitudes, condutas e comportamentos fazem parte intrínseca do complexo cultural e são ditados pelas normas e padrões adotados pelo grupo, como saudáveis ao desenvolvimento sociocultural. Toda cultura está sujeita a mudanças, mas os padrões de comportamento, tanto individual quanto grupal, conservam-se mais ou menos estáveis. A persistência desses padrões é mais acentuada nas sociedades simples, cujas mudanças, de uma geração para outra, são, às vezes, imperceptíveis.

Segundo Hoebel e Frost apud Marconi e Presotto, (2001) afirmam que “a cultura com raízes no comportamento individual é superindividual”. Assim, quando se consideram no dizer dos autores: humanidade, cultura e sociedade. Pode-se concluir que não existe sociedade humana sem cultura e vice-versa. São, portanto, três entidades indispensáveis: homem, sociedade e cultura desenvolvendo-se adaptativamente num meio geográfico próprio.
Os adultos, em uma sociedade, com sua conduta já definida, representam o modelo com o qual as crianças vão identificar-se e cujo comportamento irão imitar. Conformam-se ao que a sociedade define como o melhor para o preenchimento das necessidades pessoais, culturais e para sua melhor adaptação.

As diferenças individuais têm por causa as variações na constituição genética, somadas à vivência pessoal e ao fato de que os indivíduos ajustam-se à cultura por diferentes e variados motivos, de acordo com seus próprios interesses. Entretanto, adotam comportamentos mais ou menos previsíveis e esperados, podendo-se reconhecer pelo menos alguma correspondência de identidade entre a cultura de um grupo e a personalidade de seus membros.

Sem a cultura, tanto a sociedade quanto seus membros poderiam se inter-relacionar funcionalmente. A cultura é a própria maneira de viver de uma sociedade. A confirmação dos padrões culturais garante seu eficiente funcionamento e sua conservação como unidade cultural. Proporciona ao indivíduo, meios para a interação social, para a adaptação ao meio natural e mesmo para proteger-se do sobrenatural.

2 O RIO GRANDE E O BRASIL

Segundo pesquisador Oliven, (1992): o Rio Grande do Sul é geralmente considerado como ocupando uma posição singular em relação ao Brasil. Isso se deveria às suas características geográficas, à sua posição estratégica, à forma de seu povoamento, à sua economia e ao modo pelo qual se insere na história nacional. Apesar do estado, ter uma grande diferenciação interna (do ponto de vista geográfico, étnico, econômico e de sua colonização), ele é freqüentemente contraposto como um todo ao resto do país, com o qual manteria uma relação especial, a ponto de ser às vezes chamado jocosamente por outros brasileiros de “esse país vizinho e irmão do sul”.

Historicamente, um tema recorrente na relação do Rio Grande do Sul com o Brasil é justamente a tensão entre autonomia e integração. A ênfase nas peculiaridades do estado e a simultânea afirmação do pertencimento dele ao Brasil se constitui num dos principais suportes da construção social da identidade gaúcha que é constantemente atualizada, reposta e evocada.

Segundo Prunes apud Oliven, (1992), primeiro haveria o que é chamado de “isolamento geográfico do Rio Grande do Sul” e que seria responsável por sermos
“um todo separado do mundo pelos areais litorâneos, pelos rios, pelas serras e pelas selvas”. A natureza, ao mesmo tempo, que nos teria premiado com um espaço físico dos mais favorecidos e benéficos às atividades humanas, nos teria contemplado com uma posição de difícil acesso, ilhando-nos no Continente de São Pedro e fazendo com que este ficasse isolado por dois séculos do Brasil.

A essa peculiaridade geográfica somar-se-ia uma história sui generis. Ela inicia com a integração tardia ao resto do país. Assim, embora descoberto no começo do século XVI, o Rio Grande do Sul só começa a se articular às atividades econômicas do Brasil colonial mais de um século depois da preia do gado xucro, cujo objetivo era a exportação de couro para a Europa, feita através de Buenos Aires ou Sacramento. É recém no final do século XVII que estes rebanhos ganham importância a nível nacional, pois passam a ter um mercado interno na florescente mineração da zona das Gerais, o que estimula paulistas e lagunistas a virem prear o gado xucro existente no Rio Grande do Sul e levá-lo à área de mineração.

A posição estratégica do Rio Grande do Sul faz com que ele seja visto como uma área limítrofe: estaria nas margens do Brasil e poderia tanto fazer parte dele como de outros países, dependendo do resultado das forças históricas em jogo. Respondendo a uma escritora nordestina, que considerava os gaúchos acastelhanados e pertencendo mais à órbita platina do que à brasileira, o romancista Érico Veríssimo assim definiu essa situação de liminaridade:

Somos uma fronteira. No século XVIII, quando soldados de Portugal e Espanha disputavam a posse definitiva deste então imenso deserto, tivemos de fazer a nossa opção: ficar com os portugueses ou com os castelhanos. Pagamos um pesado tributo de sofrimento e sangue para continuar deste lado da fronteira meridional do Brasil. Como pode você acusar-nos de espanholismo? Fomos desde os tempos coloniais até o fim do século um território cronicamente conflagrado. Em setenta e sete anos tivemos doze conflitos armados, contadas as revoluções. Vivíamos permanentemente em pé de guerra. Nossas mulheres raramente despiam o luto. Pense nas duras atividades da vida campeira – alçar, domar e marcar potros, conduzir tropas, sair da faina diária quebrando a geada das madrugadas de inverno – e você compreenderá por que a virilidade passou a ser a qualidade mais exigida e apreciada do gaúcho. Esse tipo de vida é responsável pelas tendências algo impetuosas que ficaram no inconsciente coletivo deste povo, e explica a nossa rudeza, a nossa às vezes desconcertante franqueza, o nosso hábito de falar alto, como quem grita ordens, dando não raro aos outros a impressão de que vivemos num permanente estado de cavalaria. A verdade, porém, é que nenhum dos heróis autênticos do Rio Grande que conheci jamais proseou, jamais se gabou de qualquer ato de bravura seu. Os meus coestaduanos que, depois da vitória da Revolução de 1930, se tocaram para o Rio, fantasiados, e amarraram seus cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco – esses não eram gaúchos legítimos, mas paródias de opereta. (VERÍSSIMO apud OLIVEN, 1969)

O que se depreende desse conjunto de elementos é um clima de adversidades que têm de ser constantemente enfrentadas. A necessidade de garantir fronteiras, dominar a natureza, rebelar-se contra os desmandos do governo central, além de conflitos internos do próprio estado ajudariam a explicar o caráter um tanto fogoso que já teria se incorporado ao inconsciente coletivo gaúcho.

Apesar da diversidade interna do estado (a ponto de um autor falar em “doze Rio Grandes”), a tradição e a historiografia regional tendem a representar seu habitante através de um único tipo social: o gaúcho, o cavaleiro e peão da estância da região sudoeste do Rio Grande do Sul. Embora brasileiro, ele seria muito distinto de outros tipos sociais do país, guardando às vezes mais proximidade com seu homônimo da Argentina e do Uruguai. Na construção social da identidade do gaúcho brasileiro há uma referência constante a elementos que evocam um passado glorioso no qual se forjou sua figura, cuja existência seria marcada pela vida em vastos campos, a presença do cavalo, a fronteira cisplatina, a virilidade e a bravura do homem ao enfrentar o inimigo ou as forças da natureza, a lealdade, a honra, etc.

Segundo Meyer apud Oliven, (1988) a figura do gaúcho, tal como a conhecemos sofreu um longo processo de elaboração cultural até ter o atual significado gentílico de habitante do estado. Traçando a história da palavra, gaúcho, Augusto Meyer mostrou que ela não teve sempre o significado heróico que adquiriu na literatura e na historiografia regional. No período colonial, o habitante do Rio Grande era chamado de guasca e depois de gaudério, este último termo possuindo um sentido pejorativo e referindo-se aos aventureiros paulistas que tinham desertado das tropas regulares e adotado a vida rude dos coureadores e ladrões de gado. Trata-se de vagabundos errantes e contrabandistas de gado numa região onde a fronteira era bastante móvel em função dos conflitos entre Portugal e Espanha. No final do século XVIII eles são chamados de gaúchos, vocábulo que tem a mesma conotação pejorativa até meados do século XIX, quando com a organização estância, passa a significar o peão e o guerreiro com um sentido encomiástico.

O que ocorreu foi a ressemantização do termo, através do qual um tipo social que era considerado desviante e marginal foi apropriado, reelaborado e adquiriu um novo significado positivo, sendo transformado em símbolo de identidade regional.

Embora houvesse escravos negros no Rio Grande do Sul desde a primeira metade do século XVIII, sua importância se acentua a partir do final daquele século, em atividades como a produção do trigo, nas fazendas de criação de gado e principalmente nas charqueadas. Nestas últimas, o trabalho era todo baseado na figura do escravo. Se as condições de vida dos escravos nas estâncias foram consideradas boas por uma série de viajantes estrangeiros, as charqueadas eram caracterizadas pela extrema desumanidade, o que é atestado em vários relatos.

De acordo com Leitman apud Oliven, (1988), os negros também tiveram uma participação importante na Revolução Farroupilha e teriam composto, de acordo com os cálculos do exército imperial, de um terço à metade do exército rebelde.

A presença do índio também é extremamente esmaecida na construção social da identidade do Rio Grande do Sul. É comum a historiografia tradicional se referir ao território rio-grandense nos primórdios da colonização ibérica como “terra de ninguém”. Nessa operação, os indígenas eram desconsiderados já que eram vistos como “sem fé, sem rei e sem lei”. As pesquisas arqueológicas assinalam, entretanto, que o Rio Grande do Sul já era habitado há mais de 12.000 anos.

No século XVII, os bandeirantes vieram no encalço dos índios. Parte dos quais estavam aldeados em reduções jesuíticas. A fundação pelos jesuítas dos Sete Povos das Missões a partir de 1682 significou a criação de centros econômicos de grande importância, onde os indígenas criavam gado e plantavam erva-mate. Na medida em que eram percebidos como um “Império Teocrático na América”, os Sete Povos passaram a preocupar a Portugal e Espanha e foram objeto do Tratado de Madri, em 1750, que acertou que o primeiro entregaria Sacramento ao segundo, ficando com as Missões, o que acabou motivando a “Guerrilha Guaranítica” (1754-1756) movidos pelos índios liderados por Sepé Tiaraju que não estavam dispostos a entregar suas terras.

No Rio Grande do Sul houve uma progressiva eliminação física dos índios – até que eles fossem reduzidos ao pequeno número hoje existente.
Segundo Dacamal apud Oliven, (1988) o que houve foi a total extinção física do índio no Rio Grande do Sul como resultado de um processo de mais de três séculos nos quais ocorreram:
a)A guerra de morte do homem branco contra o indígena;
b)A ocupação de todas as suas terras pelo colonizador;
c)A utilização do índio e de seus descendentes como carne de canhão nas guerras do Prata e nos conflitos das facções rivais da classe dominante sul-riograndense durante o século XIX;
d)A expulsão dos últimos descendentes já “acaboclados”, para as cidades, onde morreram de desnutrição desde meados do século passado, quando já estavam poucos.
Em conseqüência, a partir de uma perspectiva obviamente diferente, pode-se concluir, como Moysés Vellinhos, que a participação do elemento indígena na constituição genética e sócio-cultural do RS foi “desprezível”.

O argumento é problemático, pois como assinala Chiappini apud Oliven, (1988), se o processo de extinção do índio se deu, como ele afirma, ao longo de três séculos, é sinal de que durante esse tempo pode ter havido, e certamente houve, miscigenação. Aliás, ele mesmo admite que isso teria havido entre as classes mais baixas, centrando o final de seu ensaio na negação do fenômeno entre os proprietários que seriam, sobretudo, brancos e europeus.
Segundo Spalding apud Oliven, (1988), as peculiaridades da relação entre o Rio Grande do Sul e o Brasil ficam evidenciadas de forma simbólica na bandeira do estado, que é formada por três faixas coloridas: uma verde, a outra amarela, ambas evocando as cores da bandeira nacional, separadas por uma faixa vermelha denotando o sangue que foi derramado na história do estado. No centro desta faixa vermelha, que simboliza de forma tão veemente a quota de sacrifício paga por seus habitantes ao integrarem a federação, há um brasão que contém, entre outras coisas, canhões, lanças, baionetas e duas frases: “Liberdade, Igualdade, Humanidade” (o lema dos farrapos) e “República Rio- Grandense, Vinte de Setembro de 1835” a lembrar constantemente que, embora o Rio Grande do Sul faça parte do Brasil, ele já foi uma república independente e que o episódio deve ficar bem presente na memória.

De fato se somarmos às lutas contra os castelhanos e à Revolução Farroupilha os outros conflitos em que o Rio Grande do Sul esteve envolvido, temos um quadro extremamente sangrento. Na guerra do Paraguai, que começou vinte anos depois do final da Revolução Farroupilha, quase um terço das forças brasileiras eram compostas por soldados do estado. De 1893 a 1895 ocorreu a Revolução Federalista. Em 1923 houve um novo conflito entre os mesmos grupos envolvidos na guerra anterior.

A Revolução de 1930, movimento que teve origem no descontentamento das oligarquias periféricas e que colocou no poder Getúlio Vargas, também começou no Rio Grande do Sul.

Segundo Vellinho apud Oliven, (1988), o primeiro discurso que Getúlio tinha proferido quando ocorreu a Revolução, terminasse com a frase “o Rio Grande de pé pelo Brasil”, e que fosse antecedida por frase como “Não poderás falhar ao teu destino heróico...”.

Em 1961, quando o Presidente Jânio Quadros renunciou e houve uma tentativa de não deixar seu vice, o gaúcho João Goulart, assumir a Presidência, foi novamente no Rio Grande do Sul que ocorreu uma resistência vitoriosa que tomou o nome de “Legalidade”. O golpe de 1964, embora não tenha se originado no Rio Grande do Sul, não teria se concretizado sem a adesão do então III Exército, com sede em Porto Alegre, e que sempre teve o maior contingente de soldados do Brasil. Dos cinco generais que governaram o país de 1964 a 1985, três eram gaúchos.

De fato, houve a partir de 1930 uma centralização crescente através da qual o estado nacional aparece com cada vez mais poder. Não há mais, portanto, necessidade de enfatizar o quanto o Rio Grande do Sul pertence ao Brasil. Ao contrário, em 1985, o estado, à semelhança do que ocorrera, 150 anos antes, estava “de mal” com o Brasil, pois se considerava injustiçado e com os brios feridos.
O discurso da crise e da marginalização, que é constantemente reatualizado na história do Rio Grande do Sul, aparece hoje em dia, por exemplo, no nível político com a queixa de que, com o fim do ciclo militar, o Rio Grande do Sul foi aquinhoado com poucos ministérios, quando nos governos anteriores costumava ter, vários. Essa é uma afirmação que obviamente precisa ser matizada, já que a presença de vários ministros no governo federal, de 1964 a 1985, não significou que eles tenham adotado políticas que favorecessem seu estado.

Faz da relação autonomia-isolamento utilizar um discurso que afirma que o Rio Grande do Sul está simultaneamente em situação calamitosa e de grande vitalidade. O que chama a atenção é como são recorrentes os temas que ocupam os gaúchos em períodos tão diversos. Há uma constante evocação e atualização das peculiaridades do estado e fragilidade de sua relação como o resto do Brasil. O Rio Grande do Sul pode ser visto como estado onde o regionalismo é constantemente reposto em situações históricas, econômicas e políticas novas. Mas embora as conjunturas sejam novas e a roupagem dos discursos se modernize, o substrato básico sobre o qual estes discursos repousam é surpreendentemente semelhante. Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que o “gauchismo” é um caso bem sucedido de regionalismo, na medida em consegue veicular reivindicações políticas que seriam comuns a todo um estado. A continuidade e vigência desse discurso regionalista indicam que as significações produzidas por ele têm uma forte adequação às representações da identidade gaúcha.

3 TRADICIONALISMO GAÚCHO E IMIGRANTES

Do século XVIII, quando o Rio Grande do Sul começa a ser colonizado, até a Revolução Farroupilha (1835-1845), o sudoeste do estado era “uma região cujos contornos confundiam-se perfeitamente com os próprios limites da província, já que a Campanha constituía o único espaço gaúcho efetivamente apropriado e incorporado à economia nacional. No dizer de Jean Roche (1988), ‘o Rio Grande do Sul era o Pampa’”. Entretanto, o surgimento na metade setentrional do estado de um contingente expressivo de pequenos produtores agrícolas e comerciantes descendentes dos colonos alemães e italianos e a crise que a pecuária começa experimentar a partir de 1870 fez com que a hegemonia econômica e política da Campanha começasse a ser seriamente abalada.

Apesar da decadência da Campanha e do crescimento de outras regiões do estado, como a região serrana de colonização alemã e italiana, a representação da figura do gaúcho com suas expressões campeiras, envolvendo o cavalo, o chimarrão e a construção de um tipo social livre e bravo, serviu também de modelo para grupos étnicos diferentes, o que estaria a indicar que essa representação une os habitantes do estado em contraposição ao país.

Há vários momentos no culto dessas tradições. Ele começa em meados do século passado quando a figura marginal do gaúcho, assim como se imagina que este teria sido no passado, não exista mais. Dadas às transformações pelas quais passou e que significaram sua gradativa incorporação como peão de estância. Por volta de 1870, o estado experimentou modificações econômicas, caracterizadas pelo cercamento dos campos, o surgimento de novas raças de gado, e a disseminação de uma rede de transporte. Essas mudanças significaram uma grande modernização da área da Campanha, acarretando a simplificação das atividades da pecuária e a eliminação de certas atividades servis como as dos posteiros e dos agregados, que acabaram em grande parte sendo expulsos do campo. O surgimento de frigoríficos estrangeiros e a decadência das charqueadas acentuaram esse processo a partir do final da Primeira Guerra Mundial, quando começa a se delinear a figura do “gaúcho a pé” para usar a expressão cunhada pelo escritor Cyro Martins em seus romances sociais.

Em 1948 surge em Porto Alegre o “35 CTG”, o primeiro Centro de Tradições Gaúchas, cujo nome evoca a Revolução Farroupilha deflagrada em 20 de setembro de 1835, e que vai servir de modelo às centenas de centros de tradições existentes no Rio Grande do Sul e em vários outros estados do Brasil. Seus fundadores são, na maioria, estudantes secundários, vindos do interior, principalmente das áreas pastoris onde predomina a pecuária praticada em grandes latifúndios.

Do mesmo modo que se observava uma discriminação por parte dos filhos de estancieiros, que não queriam se envolver com o CTG, a capital do estado também não se mostrava muito receptiva ao tradicionalismo.

A queixa da rejeição por parte da capital e das elites do estado é uma constante entre a liderança tradicionalista. Ela ressente que seu sucesso em temos de movimento não seja reconhecido e que o tradicionalismo continue sendo visto como “coisa de grosso”.

O surgimento de entidades tradicionalistas fora da área pastoril de colonização lusa, e mais especificamente nas áreas de colonização alemã e italiana, coloca uma questão importante. Ela refere-se ao fato de a cultura gaúcha no sentido pampeano ser hegemônica num estado que tem as mais variadas influências culturais, recobrindo não só a área de pecuária de latifúndio de onde se originou este modelo, mas também as áreas de minifúndio de colonização alemã e italiana, onde nunca houve o complexo pastoril.

Analisando o sentido do termo “colono”, observa que ele possui origem histórica bem definida e está associado ao processo de colonização por imigrantes europeus com base na agricultura familiar em suas pequenas propriedades. Como a pecuária era a atividade dominante desde a colonização lusa do estado, ela era extremamente exaltada, ao passo que a agricultura chegava a ser considerada degradante. Assim, desde o começo da colonização alemã e italiana, o termo colono, além de designar os imigrantes e seus descendentes, no nível de representações significava, sobretudo, carência de certos atributos positivamente considerados. “Colono” remetia à noção de pessoa com carência de ambição, de traquejo social, de elegância, de postura corporal e comportamental, de senso de oportunidade e de progresso, de arrojo, de perspicácia, de sagacidades. Os estudiosos da colonização assinalam que os imigrantes estrangeiros idealizavam o gaúcho como tipo socialmente superior. Para isso contribuiu não somente o fato de os fazendeiros formarem a camada social mais poderosa do estado, mas também de o símbolo principal do gaúcho ser o cavalo. Na Europa, esse animal era apanágio e marca de distinção da aristocracia rural; uma das primeiras providências dos colonos ao chegarem ao Brasil era adquirir essa montaria, assim que tivessem condições para fazê-lo. A identificação do “colono” com o “gaúcho” significava, portanto, uma forma simbólica de ascensão social. É interessante que embora o Rio Grande do Sul tenha uma expressiva presença de alemães e italianos como empresários e como políticos, o tipo social “representativo” continua sendo o gaúcho. Do mesmo modo, as figuras do índio e do negro comparecem em nível de representação de uma forma extremamente pálida.

A expansão do tradicionalismo também se dá fora do Rio Grande do Sul, que é um dos estados de maior emigração do Brasil. De 1920 a 1950, o êxodo gaúcho compreendeu 300.000 pessoas. Nesse último ano, o Rio Grande do Sul era o estado que fornecia o maior contingente emigratório para outros estados, ao passo que era a unidade da federação que menor número de brasileiros recebia. Essa emigração se dá geralmente do interior do Rio Grande do Sul para o interior de outros estados, em busca de novas fronteiras agrícolas, principalmente Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso.

Pode-se argumentar que os “colonos” que emigraram do Rio Grande do Sul e foram se estabelecer em outras unidades do Brasil, ao cultuarem os costumes e valores das estâncias da Campanha estão fazendo referência ao mundo ao qual na verdade jamais pertenceram. Ao saírem do estado, onde eram no máximo proprietários de apenas alguns hectares de terra, e adquirirem glebas bem maiores em áreas de fronteira agrícola, eles simbolicamente deixaram de ser pequenos colonos e transformaram-se em grandes fazendeiros, isto é, “gaúchos”.

Não é descabido imaginar que no futuro haja mais CTGs fora que dentro do Rio Grande do Sul. Embora esse grande número de entidades tradicionalistas em outros estados provavelmente já não seja freqüentado por gaúchos natos, mas por descendentes deles, sua existência denota uma imensa saudade da querência, em busca de origens rurais perdidas (ou jamais possuídas) à semelhança do que ocorreu com os fundadores do “35”.

4 IDENTIDADE GAÚCHA

Segundo Oliven, (1992):
O modelo que é construído quando se fala nas coisas gaúchas está baseado num passado que teria existido na região pastoril da Campanha no sudoeste do Rio Grande do Sul e na figura real ou idealizada do gaúcho. É em torno desse eixo que giram os debates sobre identidade gaúcha. Atualmente, a construção dessa representação recoloca a questão em um novo patamar já que estamos numa época em que tanto o Rio Grande do Sul se urbanizou e modernizou, como o Brasil apresenta uma maior integração política, econômica, de transportes, de meios de comunicação, etc., articulando suas regiões de uma forma efetiva.

Trata-se de uma construção de identidade que exclui mais que inclui, deixando fora a metade do território sul-rio-grandense e grande parte de seus grupos sociais. Apesar do enfraquecimento da região sul do estado, da notável projeção econômica e política dos descendentes dos colonos de origem alemã e italiana que desenvolveram a região norte, da urbanização e da industrialização, o tipo representativo do Rio Grande do Sul continua a ser figura do gaúcho da Campanha como teria existido no passado.

Se a construção dessa identidade tende a exaltar a figura do gaúcho em detrimento dos descendentes dos colonos alemães e italianos, ela o faz de modo mais excludente ainda em relação ao negro e ao índio que comparecem no nível das representações de uma forma extremamente pálida.
No folclore gaúcho, a presença mais marcante do negro é a lenda do Negrinho do Pastoreio, que possui várias versões, a mais famosa sendo redigida pelo grande escritor regionalista Simões Lopes Neto.

Quando se analisam os dados a respeito de cor do censo demográfico brasileiro de 1980, constata-se que o Rio Grande do Sul é o segundo estado “mais claro” do Brasil, com 87,16% da população se declarando branca, 8,14% parda e 4,21% preta, dados que contrastam com o Brasil onde apenas 54,23% da população se declara branca, ao passo que 38,83% se declara parda e 5,92% preta.

A questão, entretanto, está menos centrada na auto-classificação, da cor, mas na invisibilidade social e simbólica do negro no Rio Grande do Sul.

Examinando o regionalismo nordestino, Dantas mostrou como na década de 1930 a exaltação da cultura negra foi usada na criação de uma cultura nacional construída na esteira dos movimentos modernistas que buscavam cortar os laços com a Europa e descobrir a originalidade brasileira através da valorização dos traços culturais originários da África. Especificamente no caso do regionalismo nordestino, o papel do negro foi realmente positivo.

Mas, ao passo que em outros estados do Brasil, como a Bahia, o negro comparece como um dos formadores da identidade, no Rio Grande do Sul sua imagem é relegada a um segundo plano.
Mesmo hoje em dia, quando se fala do Rio Grande do Sul, menciona-se pouco a presença do negro e de sua cultura. Isso é surpreendente se levarmos em consideração que o estado em geral e sua capital em particular têm uma impressionante atividade umbandista e de batuque.

Para os descendentes de italianos e alemães do RS, participar das religiões afro-brasileiras significa aprofundar a sua integração à sociedade brasileira, na medida em que se observa tanto uma significativa diminuição da manutenção das relações sociais com os seus compatriotas italianos e alemães, católicos ou protestantes, quando um aprofundamento das relações com indivíduos de origem afro-brasileira. Este fenômeno configura ao mesmo tempo um possível “enegrecimento” do modo de ser e de pensar desses descendentes de imigrantes europeus, e um possível sinal a mais do seu “abrasileiramento”.

No que diz respeito aos índios, na medida em que há um número reduzido (0,1% da população) e muito enfraquecido deles no estado, é possível apropriar-se de seus símbolos de identidade regional. Assim, numa das vertentes da construção da identidade sul-rio-grandense é motivo de orgulho afirmar que no gaúcho corre sangue de índio. É corriqueira a expressão “índio velho”, utilizada de forma carinhosa em relação à figura do gaúcho. Contribui para isso o fato de o índio ter sido reduzido a um número mínimo e, portanto, ter pouco contato com os brancos, de ele não ter sido escravizado na mesma proporção que o negro, de ele estar associado a uma imagem de bravura e altivez e o fato de charruas e minuanos, grupos que não existiam mais e que habitavam a região da Campanha, quando os ibéricos lá chegaram, terem sido guerreiros e a partir da introdução do cavalo, hábeis cavaleiros, o que o permite associa-los à figura valente e altaneira do gaúcho, em permanente contato e luta com a natureza. O recorte nesse caso se faz via cavalo, elemento emblemático do gaúcho.

O que se vê atualmente, entretanto, são os descendentes dos guaranis e dos kaingang, grupos indígenas remanescentes no estado, procurando defender-se dos camponeses brancos sem terras que procuraram se tornar posseiros das terras indígenas. Essa situação não impede que no Rio Grande do Sul se enalteça a figura de Sepé Tiaraju, líder dos guaranis que se opuseram a entregar suas terras aos brancos na área das Missões, no século XVIII, como símbolo da coragem do gaúcho. O grito de guerra “esta terra tem dono” a ele atribuído é hoje em dia freqüentemente utilizado como palavra de ordem contra qualquer interferência externa nos assuntos do estado.

Segundo Rosa apud Oliven, (1988), embora tivesse havido miscigenação de brancos com índios no Rio Grande do Sul, a influência do índio não deve ser encarada somente pelo aspecto morfológico. Mais importante, sem dúvida, o aspecto psicológico; e é indubitável que alguma coisa dele ficou em nossa alma. Houve transmissão de hábitos e costumes, principalmente dos minuanos e charruas. Cita-se sempre, como exemplo, o uso das boleadeiras. Parece-me, entretanto, que a altivez, o senso de liberdade, características do gaúcho, foram herança preciosa dos nossos índios cavaleiros. Para esse autor, embora os índios compareçam com um peso numericamente baixo, eles contribuem para o caráter do gaúcho enquanto cavaleiros, através da altivez e a liberdade.

Pelo fato da etnicidade negra e indígena ser recalcada no estado, é interessante que negros e índios compareçam de modo simbólico no carnaval, um ritual de passagem que se caracteriza justamente pela inversão.

Participando em 1984, no II Musicanto Sul-americano de Nativismo, em Santa Rosa, na região das Missões. Em trabalho de campo analisando a simbologia do evento, pude constatar que foi um festival de identidades: identidade missioneira-guarani-kaingang, identidade gaúcha, identidade latino-americana e, finalmente, graças às eleições presidenciais, identidade brasileira. Tudo isso está a indicar que para chegar a uma identidade brasileira foi necessário percorrer um caminho bastante sinuoso.

A partir de Thales de Azevedo apud Oliven, (1988), refletindo sobre o renascimento do gauchismo, Thales pondera que este fenômeno parece evidenciar um desejo de afirmação de gauchidade e de nacionalismo, porém, ao mesmo tempo, talvez um desejo de afirmação de diferenciação – bem nítida em vários aspectos – dos brasileiros de outras partes, particularmente daqueles de tradições e cultura luso-afro, agora tão presentes no folclore, na música, etc., sobretudo com o relevo dado a tais traços pela TV. Os gaúchos, que agora voltam à bombacha, ao chimarrão, à chimarrita, parecem identificar-se mais ‘brancos’ e até melhor ligados ao vizinhos platenses do que aos brasileiros mulatos e pretos do norte do país e aos caboclos da Amazônia e do Nordeste. Quererão também assimilar os imigrantes (italianos, alemães, etc.)?

5 DEPOIMENTOS PERSONALIDADES GAÚCHAS

DANIELA CARMONA
Local: TEPA
Data: 21/10/2005
Horário: 18h30min

Daniela Carmona a 20 anos é atriz, diretora e professora de teatro.

“Como optei por viver do teatro e da escola, isso me impõe um limite no convívio com os outros. Acabo convivendo com pessoas que trabalham junto a mim. Relaciono-me com colegas do teatro nas oportunidades das montagens das peças.”

Quando ganhei o primeiro prêmio, senti uma sensação positiva dos colegas. Eu procuro me proteger, não ouvindo ou não dando importância às coisas que me incomodam.

Quando ganhei reconhecimento aí eu senti inveja bem forte dos colegas. Por exemplo, perguntavam: mas o Gueto Bufo vai viajar de novo? Já viajou tanto,
deixem espaço para outros... Aí, eu me recolho, baixo a cabeça e fico trabalhando.

O gaúcho tem pudor com o reconhecimento. Penso eu, que nascemos para pesquisar e não para brilhar. Aqui no RS existe um pudor de expressão, é como se não pudéssemos celebrar.

O prazer da celebração não nos é permitido!”

GERALDO FLACH
Local: Plug
Data: 26/10/05
Horário: 13h30min

Geraldo Flach a 40 anos, compositor e pianista e a 30 anos empresário.

“Meu primeiro prêmio: 64, 63, melhor solista num festival de Jazz e Bossa Nova, em Tramandaí, e nesse festival Elis Regina se despedia do RS. Minha reação foi de surpresa, em ganhar um prêmio com 19 anos, concorrendo com muitos veteranos. Fiquei surpreso e aí eu vi que não estava brincando com a música.”

Facilidades não existem em qualquer campo, é difícil para todas as profissões. O músico deve hoje diversificar seu trabalho e estudar muito, apesar de faltarem escolas.

Eu particularmente não posso me queixar da mídia, mas eu sei que temos muitos problemas e a cultura é deixada de lado. Faltam espaços para os artistas divulgarem seus trabalhos. Eu sou muito bem tratado pela mídia, não posso reclamar.

Ah, Elis Regina tinha muitas mágoas do RS e eu acho justificadas. Quando a Elis começou a fazer sucesso iniciou-se uma série de críticas negativas aqui no RS: que ela tinha se “acariocado”, estava chiando, etc. E na verdade o que o estado não suportou foi ver o sucesso da maior artista nossa, genial, que começou com 19 anos, em dois anos tinha conquistado um programa de televisão próprio. Uma coisa fantástica! Ao mesmo tempo nas entrevistas que faziam quando aqui estava perguntavam para ela: “Por que ela não abria portas para os gaúchos?” Eram perguntas agressivas – “Por que ela não dava mais força para os gaúchos?”

Parece que não suportamos o sucesso. Houve preconceito do RS em relação a ela. Um dia Elis respondeu: - “Não saí daqui para fundar CTGs pelo Brasil!” Ela valorizou nossos compositores, gravou Jerônimo Jardim e também gravou Geraldo Flach. Na Câmara dos Vereadores de Porto Alegre nunca conseguimos aprovar seu nome para darmos para uma rua. Foram diversas tentativas para homenageá-la em vão.

O gaúcho às vezes não tolera ver um outro gaúcho fazer sucesso. É interessante isso! É aquela famosa história das cestas dos caranguejos, bem famosa. É um exemplo que é muito utilizado.

Anos atrás numa Expo-música em Canela, vários músicos estavam discutindo à noite, Bebeto Alves chegou e me disse: “- Vai ter que chegar o dia, que todos nós vamos ter que nos esgoelar mutuamente!” Achei muito engraçado, até agora conversando com ele quando o encontrei de novo, lhe disse: “- Geraldo, lembras dessa frase?” Isso é coisa provinciana, eu acho, sabe? A gente podia se ajudar, mais do que vem se ajudando, né? Aquela coisa de baiano: baiano chegava no Rio e levava mais quinze! É da índole, isso também. Claro que podemos corrigir e já estamos corrigindo hoje, já noto maior integração entre os músicos daqui. Hoje já existe o Fórum Permanente de Música no RS, em Porto Alegre especificamente, coordenado pelo Levitan e é uma coisa que está pegando gente de tudo que é lado para o bem comum da classe.

As pessoas não se dão conta que cada um que se dá bem, abre as portas para os outros que virão. O baiano tem uma característica muito especial, e única: eles consomem primeiro o que é deles. Isso teve haver com o investimento que o estado baiano fez na música baiana, eles possuem mais ou menos 350 filarmônicas! Investiram 12% do Pib em cultura. Taí a Bahia hoje: os investimentos retornaram. A Bahia tem tradição cultural, além dos seus 500 anos.

“Investir em educação e cultura não é a fundo perdido não! É investimento, que retornará”.

CARLOTA ALBUQUERQUE

É a 18 anos diretora e coreógrafa da Companhia Terpsí Teatro de Dança e a 33 anos professora de dança!

“Meu ingresso na área profissional foi com o grupo Experimental de dança, da ASGADAN. Onde eu era bailarina e sentia o maior orgulho de dançar ao lado de nomes e talentos como Eneida Dreher e Ana Mondini. Naquela época éramos “tietes” de nossas colegas. Dançar ao lado de alguém “super” era orgulho. Depois veio minha ida para França, estava inclinada a ser bailarina clássica, mas uma experiência com uma coreógrafa argentina mudaria minha visão de dança. Fiquei profundamente apaixonada pelas possibilidades “dramáticas” da dança moderna na época. Passa um tempo volto para Porto Alegre, volto ao curso superior de psicologia e abandono a faculdade, no meu último ano, pois havia sido uma das nove selecionadas para a Companhia de Dança do Rio Grande do Sul (quatro dias de audição no salão de atos da PUC-RS). A companhia parece que seria financiada pela PUC-RS, Associação Gaúcha de Professores do RS e SEDAC. Apesar de tudo, audição, matérias em jornais, televisões de todo Brasil, a companhia durou apenas sua estréia com Carmina Burana, com orquestra e coral da PUC. Até hoje ninguém sabe o que aconteceu, só lembro que a diretora da ASGADAN era a professora Eva Landes (nem quis abrir a porta da sua escola para nos dar explicações). Lembro que havia uma bailarina argentina selecionada, que havia feito sua mudança para Porto Alegre, com sua mãe, ela como eu e todos entramos em desespero. Deste sentimento de inquietação nasceu a Terra Cia de Dança, que fui co-fundadora e bailarina por algum tempo.

Em 1987 junto com Leta Etges, Ângela Spiazzi, Heloisa Valdez, Laura Mangeon, Andréia Ianakis, Silvia da Silva, Suzana Shoelkopf fundamos Terpsí-Teatro de Dança. A dança trouxe mais colegas e grandes amizades que duram até hoje. Amigos de fé, daqueles que se pode contar para todas as horas. Alguns permaneceram em Porto Alegre e outros fizeram carreira no exterior ou no Brasil. Também ela (a dança), trouxe algumas divergências, discussões, mas mesmo que às vezes “emocionais em excesso”, sempre houve respeito. Lembro sempre da Sônia Duro, que apesar de discutirmos havia respeito e admiração, acho que este é um sentimento positivo (nada deveria ser unânime). É claro que nem sempre está presente a admiração, mas às vezes respeito pela trajetória, pela luta. Em cada tribo tem índios que não se comunicam e agora tentando fazer “minha culpa, minha máxima culpa” penso que apenas com uma pessoa da dança, não tenho a mínima afinidade, ao contrário me sinto sufocada na sua presença, portanto evito sua presença, mas na luta pra separar este sentimento, quando por exemplo tenho que fazer curadoria de algum evento, faço uma “formação reativa”, aprovo sempre seus trabalhos para não permitir que venha à tona sentimentos pessoais. Porém em reuniões de discussão com a classe deixo bem claro minha impossibilidade de convivência profissional, apontando o que considero inaceitável.

Quando recebemos o convite para participar do Internacional Carlton Dance Festival de 1990 os de “fé” vibraram, ajudaram, mas os colegas mesmo, só lembro de duas pessoas que tenham nos cumprimentado e dado boa sorte quando fomos. Contarei apenas um episódio como exemplo da relação entre eu e meus colegas da área, do Terpsí e os outros.

Quando voltamos do Carlton Dance Festival, após tourné em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, havíamos recebido várias críticas excelentes e apenas uma ruim (foi da estréia em São Paulo, após o acidente de uma bailarina no Rio, tudo deu errado, até a programação de luz, pois a mesa era computadorizada e nossa técnica não sabia mexer, o que prejudicou totalmente nossa primeira apresentação). Quando chegamos em Porto Alegre fomos convidados para ir numa exposição de fotos de dança do fotógrafo Cláudio Etges onde uma determinada academia de dança, moda da época, inaugurava sua galeria. A cidade da dança gaúcha estava lá, achamos do fundo do coração que algumas pessoas viriam conversar e perguntar sobre o Carlton (que era o evento máximo da dança moderna do Brasil) e era a primeira vez que um grupo do sul do Brasil era convidado (só apenas dois representantes nacionais, o resto era Pina Bausch, Alvin Nicolais and Mourrais Louis, entre outros internacionais). Além do silêncio geral, junto com à exposição de fotos, estava colocado na parede e ampliado o xerox da crítica horrível que saiu de um jornal de São Paulo, apenas a única crítica ruim. Quando eu penso naquela noite, sinto até hoje uma dor de tristeza (e já se passaram 15 anos). Dói e doeu. Nunca quis saber quem foi o responsável pela idéia dessa manifestação “antropofágica” em relação à Cia Terpsí Teatro de Dança.

Acho o Rio Grande do Sul muito difícil, para um profissional da dança. Não existe política cultural, nem a nível estadual nem municipal, capaz de transformar nosso estado em pólo cultural e principalmente mercado para as artes cênicas. Desde 2004, ao lado de grupos como o Terpsí, preservam a criação a partir de um coletivo de ação continuada, em busca de identidade, memória, etc, criamos o manifesto A ARTE CONTRA A BARBARIDADE, do qual uma das ações é o Programa Municipal de Fomento ao Teatro e Dança para a Cidade de Porto Alegre. É uma perspectiva revolucionária e distinta, propõe mudanças de mentalidade na própria classe cênica. Ela arrebenta a mentalidade imediatista e emergencial. Amplia o universo de expectativa e provoca o desenvolvimento do trabalho a médio ou longo prazo. Os grupos de trabalho continuado de teatro e dança têm um enorme significado cultural, pois promovem a experimentação e apóiam talentos em formação. Além de registrar e difundir a reflexão ficcional de um povo. A cena cultural gaúcha não é feita só de mega-mostras, eventos pontuais e grandes espetáculos. A aparente quantidade de eventos supõe uma efervescência, mas, no fundo, disfarça a miséria dos investimentos culturais a longo prazo que visem à qualidade artística.

O atual modelo de gestão compromete os artistas e submete a produção dos grupos à especulação medíocre da lógica comercial e do entretenimento. É inaceitável que não exista na cidade de Porto Alegre uma política cultural estável e permanente. Uma política cultural fundada em conceitos para essas atividades cênicas tão significativas, como é tradição nas capitais civilizadas do mundo. Uma política cultural que invista no processo de formação do artista local, valorize nossa produção, preserve grupos e companhias existentes”.

JOSÉ CLAUDIO MOREIRA

Local: Plug
Data: 26/10/2005
Horário: 13h30min

José Cláudio Moreira, a 25 anos cantor lírico-barítono e a 16 anos professor pesquisador e doutor em Bioquímica da UFRGS.

“Eu acho que é sempre uma coisa bastante confusa. A gente tem poucas oportunidades, o mercado é muito restrito, e quando uma pessoa se destaca, as outras se sentem com se estivessem perdendo espaço. Isso é pela restrição de locais de atuação e isso toca diretamente nas pessoas. É muito difícil, como se investe muito pouco em cultura, investe muito pouco em locais de apresentação, teatros, casas. Os programas que financiam são muito poucos e com pouco dinheiro, então cada vez que uma pessoa começa a se destacar, não que ela seja melhor, mas às vezes por uma questão de momento, os outros sentem que isso é uma perda de espaço. Nem sempre é uma agressão direta à pessoa, mas uma tentativa de se colocar. Então o sucesso de alguém pode indicar que tu não vais ter espaço. E como as pessoas tivessem um conhecimento muito pequeno de todos os profissionais daquela área, porque não vêem esses mesmos profissionais, elas acabam sempre chamando aquele que apareceu, num prêmio. Então, realmente aparecer num prêmio tu restringe um mercado dos outros. Aí, não seria uma manifestação pessoal e sim uma luta por espaço.

É bem interessante o que eu vou agora te relatar. Eu trabalhei muito com um coral, não vou te dizer o nome, até porque é complicado. Eu propus para o diretor que era regente do coral fazer um determinado trabalho que ele nunca tinha tentado, que era a montagem de uma ópera. Então, eu fui atrás das partituras, eu fui pesquisar o enredo, estudei a visão histórica, propus figurinos, ensaiei o coro e quando eu terminei tudo fui colocado para fora do coro. Porque no programa, destaquei-me muito como preparador do coro, como pesquisador, etc., e isso foi bastante ruim para mim dentro do coral. Criou-se um clima muito chato, a técnica vocal do coral, na época praticamente fechou o tempo para mim. Apesar de eu ter preparado, surgiu um problema, porque o regente do coral me escolheu para ser um dos solistas e, não escolheu a pessoa que dava técnica do coral para fazer isso. Então essa pessoa se sentiu bastante agredida, não vinha nos ensaios, então eu assumi. Quando terminaram as apresentações, eu ia continuar no coral, mas devido à situação que se criou foi tão chata entre o regente e essa pessoa que se sentiram ameaçados pela minha postura no coral, que eu tive que sair.

Essa pessoa hoje que dirige o coral, dirige orquestras em Porto Alegre, é pessoa muito influente, e nunca me chamou para fazer nada, e quando pode, fala mal de mim, boicotando minha carreira de várias maneiras.

Na verdade, eu melhorei a situação do coral, ele se projetou muito, porque nenhum coral daqui tinha se atrevido a montar uma ópera.

As pessoas daqui sempre foram de conquistar o seu espaço. Quem começa a ganhar espaço é mal visto. Isso é da tradição do gaúcho. Não podem ter classes onde você sabe que os recursos não dão para todos. Precisaríamos de um pensamento muito elevado, muito espiritualizado para pensar: hoje é ele, e através dele eu serei beneficiado depois. Mas a grande maioria pensa assim: se alguém tem que abrir caminho, que seja eu. As pessoas sempre acham que são injustiçados, e é muito difícil tirarem o olho do próprio umbigo e olhar o nariz dos outros.

Não acho que isso ocorra por provincianismo, e sim por um problema de competição. Não acho que seja atitude provinciana não. Até porque as pessoas daqui, têm uma visão de coisas de fora do Brasil melhor do que tem de dentro, por puro preconceito”.

LUIZ AUGUSTO FISCHER

Local: Café do MARGS
Data: 31/10/2005
Horário: 18h

Luiz Augusto Fischer é a 17 anos escritor e á 26 anos Professor Doutor de Literatura da UFRGS.

“O meu primeiro prêmio foi da Nestlé de Literatura e uma colega minha veio me dar a notícia, muito constrangida, diria enciumada. Reações negativas aqui acontecem muito. No futebol diz-se que quem se desloca tem preferência e eu digo que aqui é o contrário, eu adaptei isso para “quem se desloca vira alvo!”

Eu identificaria mais na Universidade que no mundo dos escritores. Volta e meia meu nome está nos jornais, e aí uma colega mandou um recado que “eu usava o nome da UFRGS para me promover”. É a tal fábula dos caranguejos que eu conheço há bastante tempo. Quem me contou foi o falecido Luiz Carlos Metz, o popular Jacaré, ele era jornalista e escritor. Ele me contou que ouviu de Luizinho Santos, músico, saxofonista.

Pois é, já pensei muito sobre isso e tentei encontrar algumas explicações do por que desse comportamento aqui no sul. Por exemplo, uma tradição belicista muito grande, além da tradição de guerra explicitamente, têm uma tradição de confronto muito grande. A idéia de que o confronto é mais importante que a negociação. Tem outro aspecto também por ser uma província isolada, tu ficas muito longe do centro e de fato tu acabas te sentindo meio como num mundo à parte, a gente tem pouco diálogo regular. Hoje até tem mais, as gerações mais novas sentem menos esse problema. Em parte pelo computador, pela globalização meio avassaladora que aconteceu nesses últimos dez anos. Acho que antes disso, tinha sempre isso. Como tu tens uma província isolada por um lado tu não tens contato com as dinâmicas das coisas em geral e, por outro lado tu ficas com um ressentimento muito forte. Escrevi um artigo sobre isso: “Os Ressentidos”. É uma idéia, uma sensação que eu tenho que muitos caras aqui talvez, especialmente, até minha geração, e mais um pouquinho depois, têm uma sensação assim de como tendo sido traídos. Tipo como, ele se preparou para ser um grande intelectual. Assim como um grande bailarino ou um artista plástico de grande técnica, e vai ver na volta não tem com quem falar. Isso cria ressentimentos.

Terra fronteiriça é de uma maneira geral, é de uma tradição de confronto, de agressão.

Tem uma história que o Caio Fernando de Abreu contou numa crônica que acho que é bem ilustrativa. Ele já estava doente e voltando para morar em Porto Alegre, e encontrava-se no aeroporto de São Paulo. Bem, o Caio Fernando de Abreu um cara viajado, experimentado, voltando a Porto Alegre, ele enxerga, esperando o embarque também, o Borghetinho. Borghetinho, cara urbano, também de Porto Alegre, daí virou gaúcho por assim dizer, toca sua gaita, e tal, anda de bombacha, aquela coisa toda. Aí contava Caio a seguinte história: ele começou a pensar, aí o Borghetinho, queria saudá-lo, mas ele... Não vai me conhecer... Ele é um cara famoso, Caio ficou pirando com essa história que eu acho que é bem uma reação de gaúcho, assim sabe, não vou conseguir falar com ele mesmo, e começou a ler enterrando a cabeça no livro. De repente, o Borghetinho chega nele, bate no ombro e diz: “- E aí Caio, voltando para casa?” E, tal. Aí Caio conta que se desarmou com essa história e disse para si, por que eu não tomei essa iniciativa? Poderia ter ido conversar com o cara, dizer o quanto lhe admiro... Mas, não o fez. Precisou do mais jovem para fazer isso. Essa história também mostra nosso jeito de ser, mesmo um cara como Caio poderia ter passado por cima disso, sem nenhum problema, ficou travado por uma coisa meio de preconceito, talvez esse gênio confrontativo que possuímos o tenha impedido de agir.

O fato da gente não circular fora daqui... Isso, é decisivo. No mundo da literatura acontece muito isso. De repente, tu és um escritor com um monte de livros publicados e só lidos no RS. Isso dá para ele ao mesmo tempo uma sensação que ele existe, o que é bom, por outro lado dá uma ilusão que isso basta. E aí, eu acho acaba a gente ficando neste isolamento. De repente tu és muito importante, mas só para cá te conhecem. Isso é parte da explicação também desse fenômeno”.

CARLOS PASQUETTI
Local: residência
Data: 21/10/2005
Horário: 14h30min

Carlos Pasquetti a 34 anos artista plástico e professor MFA aposentado da UFGRS.

“Meu ingresso profissional foi primeiramente através da formação universitária na graduação, posteriormente pós-graduação e com mestrado em MFA em Chicago USA.

Minha relação com os colegas é muito mal, não gosto de artista, só falam do seu “eu” e, é muito “eu”. Eu gosto da parte didática, onde trabalhei na formação integral do artista. Pelo menos duas gerações por mim passaram. É um trabalho bom para mim, o ensino possibilita tu trabalhares o contexto da arte dentro de uma sociedade. Ela toma forma quando é mostrada.

Não ligo para isso, para a relação com meus colegas, pois não participo do contexto artístico. Nos anos setenta um grupo de pessoas que pensavam da mesma maneira, que projetavam idéias em conjunto, foi o “Nervo Ótico”. Ele veio da necessidade de nos agruparmos para termos força. O “Nervo Ótico” era uma cooperativa de artistas, unidos pelo mesmo pensamento. Hoje, é o culto do individualismo que impera, sem se atrelar ao aspecto geral. É muito individualismo, que torna tudo restrito.
Sempre tive reações positivas em relação ao meu trabalho, sempre muita receptividade. Mercado? Mercado não existe mais, só quando morreres. Na década de 70 e 80 era ótimo! Em 80 a 84, a burguesia comprava menos, e em 87 a 88 nada mais se vendia, a burguesia perdeu o interesse em arte voltando-se para os bens de consumo. Formamos trinta alunos/artistas por ano, e não existe mercado, só o paralelo. A queda vertiginosa do poder aquisitivo da classe média também restringiu muito o mercado. Hoje possuímos em Porto Alegre no máximo três galerias com arte contemporânea, ligadas à arte e não à decoração.

Trabalhar em Porto Alegre é muito difícil, te empurram para baixo. A disputa acontece, acredito por provincianismo e pela falta de cultura do povo. Quanto mais cosmopolita a cidade, mais incentivos e mais público tu tens, Rio de Janeiro e São Paulo são exemplos. Se Iberê Camargo não tivesse ido para o Rio de Janeiro e lá ser reconhecido e ter brilhado, estaria confinado no contexto gaúcho e sua obra não teria a visibilidade que tem hoje.

Aqui, tens que funcionar dentro de um contexto. Ninguém apóia. Até os fundos para arte que existem passam por peneira na escolha dos projetos e são sempre manipulados por questão de política.

Levaram dez anos para me convidar a participar da Bienal do Mercosul, que aqui, em Porto Alegre é realizada. Aqui tens que funcionar dentro de um contexto, não podes ir além. Meu trabalho tem sua estética própria e um comprometimento com a sociedade”.
ANTONIO CARLOS CARDOSO

Local: Salvador
Data: outubro/2005

Fundador da Cia Balé Teatro Castro Alves e seu diretor a 25 anos e a 31 anos professor de dança clássica.

“Falar das minhas experiências em tentar fazer dança no RS... Pois é, estudei aí onde assimilei toda a minha base técnica com a grande Marina Fedossejeva! Repito que foi a única professora radicada no RS com capacidade de formar profissionais, por ter sido ela mesma uma. Foi solista do Balé Kirov de Leningrado, aluna da maior pedagoga de dança clássica que já existiu, Agripina Vaganova. Após estudar com ela, tive que correr atrás de uma Cia. profissional, O Corpo de Baile do TM do Rio de Janeiro, então a única Cia. profissional do Brasil. Isto há uns 42 anos atrás... O triste é que Porto Alegre continuou e continua sem ter uma Cia. Profissional”.

Depois de muitas andanças pelo Brasil e pelo mundo, em 74 quando na Europa, fui convidado para reestruturar o Balé da Cidade de São Paulo (então Corpo de Baile Municipal). Pelo trabalho lá desenvolvido e mostrado em todo o Brasil (inclusive Porto Alegre) fui convidado para criar uma Cia aqui SSA em 1981. O Balé da Cidade durante a minha direção era considerado a melhor Cia. de dança do Brasil (vide críticas) e o Balé Teatro Castro Alves (Bahia Ballet no exterior) alcançou rapidamente grande prestígio nacional e internacional, apresentando-se com enorme sucesso pelo mundo, inclusive com críticas consagradoras em Nova Iorque (The New York Times), Londres, Praga e ainda este ano Berlim e Colônia.

Durante estes quase 25 anos à frente desta Cia., em três momentos tentei criar uma em Porto Alegre por minha iniciativa, até mesmo por vontade de voltar a residir na minha cidade. Nada resultou. Foram tentativas junto ao Governo do Estado, a empresários e a última vez com o SESI. Veja que aconteceu aqui na Bahia, porque o Diretor da Fundação Cultural, conhecendo o resultado com o Balé da Cidade, tomou a decisão de me convidar e criar condições para que eu fundasse uma Cia. aqui. Os resultados e dividendos para o Governo e para a cultura local e nacional são demais conhecidos. Já que nunca ninguém por aí teve este interesse, eu mesmo, como relatei antes por conta própria e nada...

Além da pouca visão de quem podia, sempre contei com o boicote das “donas” de escolas e da dança locais. Colocavam-me como um “usurpador” que tendo feito carreira fora queria voltar para lhes tirar o lugar. Lugar que nunca existiu porque não havia uma Cia profissional. Mas elas achavam e creio que ainda acham, que com suas escolas e festivais cobrem a carência da dança local. A relação do RS com a dança é desconhecida no país. Fora as escolas, digno de nota só aconteceu por aí, o grupo “Terra” e o “Terpsí”. Mas por diversas razões, apesar da qualidade de muitos dos seus espetáculos, nunca foram companhias profissionais, na concepção ampla e real do termo.
Outro aspecto da curta visão dos fazedores de dança daí, é que mesmo eu tendo alcançado um nome e reputação de nível internacional (e sendo gaúcho, é bom lembrar), nunca fui convidado a participar de nenhum evento de dança local, quer como júri, palestrante ou qualquer modalidade. Por quê? Acho que simplesmente pelo medo da “concorrência”, como se eu a esta altura da minha vida profissional estivesse concorrendo com os fazedores de dança de Porto Alegre...

Enfim, eu sou completamente ignorado pelos fazedores de dança daí e chamado e respeitado por outras capitais brasileiras e do mundo. Até quando esta mentalidade estreita e egocêntrica vai imperar por aí eu não sei. É uma pena, pois a cidade deveria ter uma Cia. de nível, para sinalizar um rumo profissional sólido e consistente, criando assim uma perspectiva para que o RS entre no mapa da dança nacional e internacional.

Lembrei de um outro fato. Como sabe, nestes últimos anos tenho me dedicado à fotografia. Apresentei meus trabalhos em várias exposições coletivas e individuais aqui em Salvador e em 2004 na França. Tenho trabalhos publicados em jornais, revistas (Bravo, Ballet Tanz entre outras), livros catálogos e etc, tanto no Brasil como no exterior. Pois bem, o ano passado, tentei apresentar uma exposição dos meus trabalhos em Porto Alegre, e não consegui realizar nem que eu pagasse todas as despesas”...

CONCLUSÃO

O foco pesquisa surgiu da inquietude em desvendar as razões que levam a grande maioria dos gaúchos a este comportamento nefando, apelidado metaforicamente de antropofagismo, contra seus próprios irmãos quando um deles alcança destaque profissional.

Como já foi descrito na introdução desta pesquisa, o primeiro uso do termo antropofagia ou antropofagismo foi com os índios Tupinambá, primeiros habitantes do Brasil, praticantes da antropofagia. Esse ato ritualístico acontecia entre os chefes derrotados, a vingança é que alimentava a disputa e o próprio ritual. Assim, o antropofagismo dos índios Tupinambá era uma reação em relação aos inimigos.

Na visão do Manifesto Antropológico de Oswald de Andrade, ele surgiu como relação ao domínio simbólico externo. A partir daí, desperta-se para uma construção de “brasilidade”. Portanto, o Manifesto Antropológico foi uma reação em relação aos de fora.

Já o foco da apropriação do termo antropofagismo nessa pesquisa, relaciona-se com o “comer” num sentido de anular, destruir, não legitimar o
destaque, o sucesso de alguém da mesma área de atuação profissional. Assim sendo, o “Antropofagismo Gaúcho” é uma reação na relação entre os iguais.

Partiu-se de leituras e registros sobre Antropologia, utilizando a história do Rio Grande, suas etnias, posição geográfica em relação ao Brasil, imigrantes e tradicionalismo, que formam a identidade gaúcha, complementando essa pesquisa com sete entrevistas com personalidades legítimas, ou seja, reconhecidas pelo grupo da área artística onde atuam.

Estado totalmente diferenciado do restante do país, sui generis em sua geografia, clima e história, estado que optou pertencer a Portugal, que passou várias décadas, quase um século completamente ignorado pelo poder central, estado militar e valente na defesa das fronteiras do território brasileiro. Rio Grande de história sangrenta, representada pela cor vermelha em sua bandeira, junto do verde e amarelo da do Brasil.

Acabou com seus primitivos habitantes apoderando-se de sua cultura: as boleadeiras, a erva-mate, o chiripá como também a arte de cavalgar, entre outros. Estado que foi pioneiro na libertação dos escravos, mas que após a morte de Bento Gonçalves encontrou-se em sua fazenda mais de quarenta negros ainda escravizados. Estado que não considerava os colonos alemães e italianos.

Estado essencialmente político, militar e solidário ao poder, para o poder, porém, nada solidário aos seus compatriotas, nada solidário aos seus irmãos.
Segundo a Antropologia, o homem desde que nasce (com seu bio-psiquismo), participa do sistema social também herdando uma tradição cultural que é considerada pelos antepassados e transmitida de geração em geração. Tudo isso confere um tipo de personalidade que vai gerar determinados comportamentos, que buscam se adaptar aos valores socioculturais pertencentes ao seu grupo.

Os artistas gaúchos que participaram da pesquisa “Antropofagismo Gaúcho” foram: na dança cênica Carlota Albuquerque, na música Geraldo Flack, no canto lírico José Cláudio Moreira, na literatura Luiz Augusto Fischer, no teatro Daniela Carmona, nas artes plásticas Carlos Pasquetti e Antonio Carlos Cardoso foram os artífices que propiciaram grande visibilidade e credibilidade a esse trabalho.

Todos os depoimentos prestados foram unânimes em confirmar a existência do comportamento destrutivo entre os gaúchos que se destacam profissionalmente entre os seus, apelidado de antropofagismo, relação entre iguais, que acontece e impera no extremo sul do país. Entretanto existem algumas peculiaridades, especificidades, portanto diferenças que foram percebidas, desvendadas e analisadas, tais como: no depoimento de Carlota Albuquerque que fica evidenciada que a visibilidade de um grupo num evento internacional culminou numa divulgação negativa, única crítica ruim. Esse fato prático é analisado por dois caminhos: o primeiro a vingança explícita e o segundo, ignorar o acontecido. “De alguma forma podemos relacionar à vingança dos índios Tupinambá em suas práticas”.
No depoimento de Geraldo Flach percebe-se que o sucesso é o detonador de uma reação chamada de “provincianismo” e “preconceito”. A noção de sucesso para Flach está associada a se dar bem, o que nos remete à história do “Balaio de Caranguejos”.

Já José Cláudio Moreira declara ser nosso mercado artístico restrito e daí as pessoas “lutarem” cada uma pelo seu espaço instaurando um comportamento fundamentado na disputa, gerando atitudes “negativas” contra seus colegas.

O depoimento de Luiz Augusto Fischer associa o aspecto geográfico do estado, que delimita sua fronteira ao resto do país a uma atitude de confronto, belicosa. De alguma forma esse comportamento, torna-se uma tradição do gaúcho de sublinhar, intensificar seus limites.

Daniela Carmona revela uma situação de repressão em momentos em que seria natural celebrar. Momentos esses ligados ao sucesso, ao destaque. A idéia central do relato é a de que o grupo reprime o destaque e é uma forma de não legitimar o “brilho”.

O relato de Carlos Pasquetti acentua a falta de valorização do artista local, é preciso na sua visão, visibilidade fora para ser visível dentro. Pasquetti fundamenta esse pensamento numa imagem idealizada de que uma cidade cosmopolita valorizaria e teria mais espaço em função do tamanho do mercado artístico.
Antonio Carlos Cardoso comenta que o sucesso fora é ignorado no estado, ou seja, é como se ao sair do estado o artista rompesse o laço do pertencimento com os seus, por isso, é ignorado profissionalmente e em alguns casos perderia um espaço no mercado. A idéia seria: só continua gaúcho, quem permanece em terra gaúcha.

O comportamento autodestrutivo, que se manifesta a partir do indivíduo, comanda as instituições e finalmente dominando toda uma sociedade, gera inúmeras e conhecidas conseqüências.

Os “caranguejos-gaúchos” além de prejudicarem os indivíduos, prejudicam toda uma classe, toda uma sociedade, todo um estado, seja visto últimas notícias divulgadas na imprensa: “O RS é o estado que menos cresceu nos últimos tempos”, além, de possuir o título “precioso” de ser um dos estados do Brasil com maior evasão populacional. Existem gaúchos espalhados por todo país e mundo. Muitos profissionais, entre eles os artistas, possuidores de condições para tal, se obrigam a saírem do estado para concretizarem suas carreiras e alcançarem projeção. É uma atitude errônea e descabida e destrutiva, de toda uma sociedade e conseqüentemente de suas instituições. Toma-se a imprensa jornalística e televisa como exemplo, elas agem também de forma nefanda com seus irmãos não dando espaço nem divulgação, não valorizando nem destacando o que aqui é produzido. Por toda parte, e em todos os lugares é essa atitude imperando e comandando tudo e todos, excepcionalmente no caso da política. Aí, não faltam espaços nem interesses. Bem entendível e compreensível, pois a historia do Rio Grande está à disposição para comprovar essa característica política do estado.

A cada governo que assume, cria-se novo slogan, o atual é: “ORGULHO GAÚCHO”.
Pergunta-se: de quem? Por quem?
Responde-se: “orgulho gaúcho” de tudo e de todos que vem de fora do Rio Grande ou, “orgulho gaúcho” somente dos conterrâneos que, só ao sair, alcançam sucesso fora do estado e no mundo. Só então são respeitados e aplaudidos e passam a receber consideração. Atitude contrária, de quando aqui estavam produzindo o mesmo trabalho (a grande Elis Regina é um exemplo).

Quantos valores e talentos descobertos, obras artísticas, invenções foram e são perdidos diariamente retardando a projeção, o progresso e o desenvolvimento do estado como um todo? São perdas incalculáveis e inimagináveis...

Quando é que as pessoas, conseqüentemente as instituições dessa sociedade, se darão conta que esta atitude “burra” destrói a todos?

Pensa-se, que será através de novos trabalhos de pesquisa com este mesmo tema e sua plena divulgação, também através de campanhas amplas de conscientização da sociedade e principalmente, através da educação das crianças gaúchas, é que poder-se-á reverter este comportamento negativo.

Conclui-se este trabalho discorrido sobre as palavras inseridas na bandeira do Rio Grande: liberdade – igualdade – humanidade. Acredita-se comprovadamente que a palavra “igualdade” esteja sendo interpretada e aplicada erroneamente em ações altamente equivocadas e injustas pelas instituições, pelo poder político e pela sociedade em geral. Igualdade de oportunidade, igualdade de educação, igualdade na remuneração de ambos os sexos, igualdade de direito e igualdade de deveres, perfeito. Agora, pensar-se, que todas as pessoas reajam igualmente aos estímulos recebidos, é muita hipocrisia. Não somos iguais para sermos tratados com “igualdade”. Os talentos comprovados nas mais variadas áreas se destacam e devem ser estimulados, apoiados e reconhecidos, e não como acontece aqui no Rio Grande, serem abafados, negligenciados e tratados “igualmente” e “democraticamente” pelas instituições, poder público e seus próprios iguais. Ao contrário, devem ser tratados diferentemente, com justiça, orgulho e respeito, pois são eles que abrem as portas ao progresso, projeção e desenvolvimento das mais diversas áreas de trabalho da população.

O “antropofagismo gaúcho” deve ser abolido do comportamento sócio-cultural dos gaúchos!

Urge que nos transformemos seguindo exemplo dos “caranguejos baianos”!

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropofágico. Disponível em acesso em: 20 maio. 2005.

COCCARO, Luciane Moreau. Introdução a Metodologia Científica. Cursos de Graduação Tecnológica – Apoio Didático. Canoas: ULBRA, 2005.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

FESTINGER, Leon; KATZ, Daniel. A Pesquisa na Psicologia Social. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1974.

GEERTZ, Clifford. O saber local – Novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997.

HERSKOVITS, Melville J. Antropologia Cultural: man and his work. São Paulo: Mestre, 1963.

MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Neves. Antropologia: uma introdução. São Paulo: Atlas, 2001.

OLIVEN, Ruben George. As Metamorfoses da Cultura Brasileira. Petrópolis: Vozes, 1988.
______. A Parte e o Todo: a Diversidade Cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1992.

PEIRANO, Mariza G.S. Anuário Antropológico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1982. p.15-47

WANDERLEY, Saulo. Ventos do Sul – O Ronco do Chimarrão 5. Disponível em: . Acesso em: 22 maio. 2005.

ANEXOS
Anexo I
Roteiro das entrevistas:
1Das relações:
1.1Que tipo de relação tu vês ou manténs com teus colegas?
1.2Quando recebeste um prêmio ou convite importante, qual foi a reação de teus colegas?
1.3Conte algum episódio ocorrido que tenha te marcado e que sirva de exemplo da relação entre você e seus colegas.

2Das vivências e impressões:
2.1Quais tuas vivências e impressões sobre tua área profissional no RS?
2.2 Positivas, negativas ou dependente da situação?

3Da inserção e mercado de trabalho:
3.1 Como foi teu ingresso na vida profissional?
3.2 Qual tua visão sobre o mercado de trabalho?
3.3 Qual a resposta da mídia em geral e das instruções municipais e estaduais em relação ao teu trabalho?

Perguntas para o “povo” da dança cênica refletir e responder:
1Por que será que até os dias de hoje não possuímos companhias de Dança do estado ou do município?
2Por que será que não possuímos formação em Dança em nível de I e II graus gratuitos?
3Por que não acontecem políticas de investimento para a preservação das companhias e grupos independentes pelo estado ou município?
4Será que através dos inúmeros festivais de dança onde acontecem disputas pelos primeiros lugares e prêmios, similares às guerras travadas pelo RS em sua história, levarão a Dança a algum lugar?

Anexo II
Apresentação Power Point:
“ANTROPOFAGISMO GAÚCHO” de ENEIDA B DREHER
Curso Superior de Tecnologia em Dança - ULBRA - 2005
“Antropofagismo Gaúcho”
“Esta pesquisa científica tem o objetivo de confirmar, buscando as causas do comportamento nefando dos gaúchos contra os próprios gaúchos, quando um deles alcança destaque profissional entre os seus”.
Eneida Dreher - ULBRA -2005.
“Antropofagismo Gaúcho”
DESTAQUES DEPOIMENTOS DAS SETE PERSONALIDADES GAÚCHAS PARTICIPANTES DA PESQUISA “ANTROPOFAGISMO GAÚCHO”.
“No Carlton Dance Festival/90 em BH, RJ e SP o Terpsí recebeu excelentes críticas e, apenas uma ruim, na estréia de SP, porque nossa técnica de luz desconhecia o manejo computadorizado da mesa, prejudicando totalmente a apresentação. Na volta, fomos a uma exposição de fotos de Cláudio Etges numa academia da moda. (continua...)

Achávamos que as pessoas viriam conversar, afinal era a primeira vez que um grupo do sul tinha sido selecionado para participar do maior evento internacional de dança moderna no Brasil, junto com Pina Bausch, Alwin Nicolais e Murrais Louis e outros. Além do silêncio geral, junto à exposição estava colocada na parede e ampliada o xerox da única crítica ruim que recebemos. Ainda hoje, passados 15 anos, sinto uma dor de tristeza”.
Carlota Albuquerque
Diretora e coreógrafa da Cia Terpsí Teatro de Dança.

“Parece que não suportamos o sucesso. Houve preconceito do RS em relação à ela (Elis Regina). O gaúcho às vezes não tolera ver um outro gaúcho fazer sucesso. Isso é coisa provinciana, eu acho. As pessoas não se dão conta que cada um que se dá bem, abre portas para os outros que virão”.
Geraldo Flach
Compositor, pianista e empresário.

“A gente tem poucas oportunidades, o mercado é muito restrito, e quando uma pessoa se destaca, as outras se sentem como se estivessem perdendo espaço. Então o sucesso de alguém pode indicar que tu não vais ter espaço”.
José Claudio Moreira
Cantor lírico e professor doutor em Biologia da Ufrgs

“Já pensei muito sobre esse comportamento. Temos uma tradição belicista muito grande, além da tradição de guerra explicitamente. Somos terra fronteiriça com tradição de confronto, que é mais importante que a negociação. Somos província isolada, que geraria ressentimentos.
No futebol diz-se, quem se desloca tem preferência, eu digo que aqui é o contrário: quem se desloca vira alvo”.
Luiz Augusto Fischer
Escritor e Professor Doutor em Literatura da Ufrgs
“O gaúcho tem pudor com o reconhecimento. Penso eu, que nascemos para pesquisar e não para brilhar. Aqui no RS existe um pudor de expressão, é como se não pudéssemos celebrar. O prazer da celebração não nos é permitido”.
Daniela Carmona
Atriz, diretora e professora de teatro

“Trabalhar em Porto Alegre é muito difícil, te empurram para baixo. A disputa acontece acredito por provincianismo e, pela falta de cultura do povo. Quanto mais cosmopolita a cidade, mais incentivos e mais público tu tens. Se Iberê Camargo não tivesse ido para o Rio e lá ser reconhecido, estaria confinado no contexto gaúcho, e sua obra não teria a visibilidade que tem hoje”.
Carlos Pasquetti
Artista plástico e professor MFA
(Levou 10 anos para participar da Bienal).

“Tentei criar em POA uma cia. de dança, por vontade de voltar a residir na minha cidade. Além da pouca visão de quem podia, sempre contei com o boicote das “donas” de escola e das pessoas da dança locais. Fora das escolas, digno de nota só aconteceu o grupo “Terra” e o “Terpsí”, que apesar da qualidade, nunca chegaram a ser cias. Profissionais na concepção ampla e real do termo. (continua...)

“Mesmo tendo alcançado um nome nacional e internacional, sou completamente ignorado pelos fazedores de dança daí.
Até que esta mentalidade estreita e egocêntrica vai imperar por aí eu não sei”.
Antonio Carlos Cardoso
Fundador e Diretor do Balé Teatro Castro Alves.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Aulas de Jazz (estilo Luigi) no DAD

(Surpresa da aula: a teacher trouxe a pele da cobra Inhauma, com a qual dançou na obra
Os Triunfos de Afrodite, de Carl Off).







(Última turma de Jazz do DAD - Departamento de Arte Dramática - UFRGS)

Aulas de Dança Moderna no DAD (2008)













(Última turma de Dança Moderna no DAD - Departamento de Arte Dramática - UFRGS)